Determinação da propagação de ondas de cheia pelo Método de Muskingum

Contextualização Histórica

Em 1938, o Método de Muskingum foi desenvolvido por Mc Carthy. O nome do método foi em função do rio de Muskingum (Figura 1), nos Estados Unidos da América (EUA), onde ocorreram os estudos para a determinação da propagação de ondas de cheias (PORTO, 1998).  

Figura 1 – Rio Muskingum – EUA. Fonte: GOOGLE LLC( 2022).

Equações basilares

O Método de Muskingum avalia a propagação de onda de cheias, a atenuação da vazão (redução da vazão), a translação da onda (deslocamento da onda) e usa a Equação da Continuidade (Equação 1).

Na Equação da Continuidade, o fluxo de entrada menos o fluxo de saída gera um armazenamento, um volume do corpo hídrico em função do tempo. Dessa forma, a Equação da Continuidade pode ser escrita na seguinte forma numérica (Equação 2):

Assim, para determinação da propagação de cheias, a Equação da Continuidade e as relações de armazenamento de volume hídrico regem o método. O armazenamento de volume pode ser equacionado como a seguir (Equação 3).

A variável K é o tempo médio em que a onda se propaga ao longo do curso d’água, relacionada com a translação da onda, como mostra o hidrograma da Figura 1. A variável X está atrelada ao K e atua como fator de atenuação da vazão de pico. As vazões são representadas pela variável I (vazão a montante) e Q (vazão a jusante) (CANHOLI, 2005; PORTO, 1998). Caso seja um estudante iniciante e queira conhecer mais a respeito de hidrogramas acesse aqui.

Figura 2 – Hidrograma de cheia das vazões de entrada I e saída Q.

Descrição das variáveis

Um maior detalhamento das variáveis K, X, I e Q da Equação 3 será apresentado, com o intuito de melhor compreensão dos cálculos da equação de armazenamento. Seguir as sequências de etapas abaixo é fundamental para execução correta da equação de armazenamento.  

O parâmetro K é o tempo de deslocamento da onda em um determinado percurso, como o trecho de um rio ou canal. Na Figura 2, a onda se propaga no sentido do Ponto A (a montante) até o Ponto B (a jusante). O tempo médio de trânsito da onda de cheia do Ponto A ao Ponto pode ser estimado pela Equação de Manning.

Figura 3 – Trecho do Ponta A ao Ponto B. Fonte: GOOGLE LLC( 2022).

Essa estimativa do tempo é calculada da seguinte maneira para o caso de um canal de seção retangular de 2 m em cada lateral, comprimento do canal de 2 km, declividade de 0,01 m/m e rugosidade do canal igual a 0,018 (Figura 4).

Figura 4 – Seção transversal do canal.

Para se estimar o tempo de percurso serão usadas as equações 4, 5 e 6:

  • Vazão Q
  • Velocidade
  • Tempo de trânsito da onda

 A variável X está relacionada com a atenuação da vazão de pico, no Ponto B (a jusante). Os valores dessa variável podem ser de 0 a 0,5. O valor tipicamente utilizado é 0,2 (um valor intermediário).

Esse valor típico é uma inferência, pois somente se pode confirmar o X de modo preciso se houver previamente um hidrograma efluente. Assim, uma das limitações do método é essa imprecisão na determinação do parâmetro X.

Quando existe o hidrograma efluente, o mesmo é utilizado para o ajuste da curva laço (responsável em calibrar o valor de X). O X correto é encontrado quando a curva laço se assemelha a uma reta, como pode ser observado em X=0,2, na Figura 5.

Figura 5 – Curvas Laço e Hidrogramas de Cheia.

A vazão de saída Q ou Q2 pode ser determinada pela Equação 7:

A determinação dos Coeficientes de Cálculos ocorre conforme as Equações 8,9 e 10, com o uso das variáveis K e X.

Entretanto, deve-se obedecer às seguintes condições para a estimativa do tempo incremental ∆t. O passo de tempo deve ser testado até as duas condições a baixo serem respeitadas.

Após os cálculos de K, X, ∆t terem sido efetuados, pode-se proceder com a determinação dos Coeficientes C0, C1 e C2.

Alguns pontos a respeito da determinação da vazão de saída Q2 (Equação 7) devem ser entendidos, para a execução dos cálculos. No Hidrograma da entrada (Figura 6), pode-se considerar a opção A para Vazão de Entrada I1 (em t=0) e Vazão de Entrada I2 (em t=2). Ou a outra opção B, pode ser a Vazão de Entrada I1 (em t=2) e Vazão de Entrada I2 (em t=4). Esse mesmo raciocínio pode ser seguido para os demais pontos do Hidrograma de entrada.  

Figura 6 – Hidrogramas da Vazão de Entrada I nos passos de tempo 1 e 2, opção A e B.   

No Hidrograma de saída (Figura 7) na opção A, identifica-se a Vazão de Saída Q1 (em t=2) e Vazão de Entrada Q2 (em t=4). Na opção B, há a Vazão de Saída Q1 (em t=4) e Vazão de Entrada Q2 (em t=6).

Figura 7 – Hidrogramas da Vazão de Saída Q nos passos de tempo 1 e 2, opção A e B.  

As entradas dos dados vazão para o cálculo da Q2 (Equação 7) podem ser visualizados na Figura 8.

Figura 8 – Identificação das vazões de entrada e saída para o cálculo de Q2.

Aquisição de dados

Como um ponto de referência de fonte de dados de vazão, foi escolhida a estação fluviométrica mais próxima do ponto a montante. A identificação da estação e o download de dados ocorreram pelo Hidroweb da AGÊNCIA NACIONA DE ÀGUAS (ANA, 2019), na estação fluviométrica do Porto Carriel (Figura 9). Os dados foram adquiridos na opção de Tabela de Atributos.

Figura 9 – Pesquisa da estação fluviométrica Porto Carriel pelo Hidroweb. Fonte: ANA (2019).

Em seguida, outras informações a respeito do trecho do rio do Ponto Inicial na estação Porto Carriel até o Ponto Final (a jusante) foram obtidas pelo Google Earth (Figura 10), a título de prática do Método de Muskingum. Recomenda-se em projetos utilizar cartas topográficas para executar esta etapa.

Figura 10  – Ponto inicial Porto Carriel e Ponto Final. Fonte: GOOGLE LLC (2022).

Dados de entrada

Os dados de entrada para a planilha de cálculo do Método de Muskingum podem ser observados a baixo, como mostra a Tabela 1. Os parâmetros marcados em azul foram calculados automaticamente nessa planilha. Os demais parâmetros (em cor branca) não automáticos foram obtidos conforme descrito a seguir.

Tabela 1 – Dados de entrada na planilha de cálculos do Método de Muskingum.

Primeiramente, foi delimitado o comprimento do canal do rio pelo Google Earth. Pela opção Adicionar caminho, foi traçado o percurso do ponto inicial (próximo a estão fluviométrica) ao ponto final (a jusante) (Figura 11). O uso do Google Earth está sendo aplicado somente a caráter didático, tendo em vista que a resolução das cotas obtidas neste software não são satisfatórias para estudos reais, os quais contam com apoio de topografia e modelos digitais.

Figura 11 – Delimitação da extensão do rio. Fonte: GOOGLE LLC (2022).

Em Propriedades do caminho, foi medido o comprimento do trecho do rio, o qual foi de 11.062 m, de acordo com a delimitação a baixo.

Figura 12 – Obtenção do comprimento do trecho do rio. Fonte: GOOGLE LLC (2022).

Os dados de cotas foram obtidos ao colocar a seta do mouse sobre os pontos que precisavam ser determinados, como mostra a Figura 13 no ponto inicial.  A cota inicial do rio foi de 412 e a cota final de 400.

Figura 13 – Determinação da cota do ponto inicial. Fonte: GOOGLE LLC (2022).

Os dados de vazão afluente foram baixados pelo Hidroweb. Essa vazão afluente I deve ser a vazão máxima de entrada (229,857 m3/s), de acordo com a discretização do passo de tempo (Figura 14).

Figura 14 – Obtenção do dado de vazão máxima de entrada.

Para o cálculo da velocidade média do canal, foi traçada uma seção transversal no ponto inicial do trecho (em Adicionar caminho). Ao clicar com o botão direito do mouse, pode-se selecionar a opção Mostrar perfil de elevação. Então, o perfil de elevação foi apresentado com todas as medidas verticais e horizontais ao longo da seção, como mostra a Figura 15.

Figura 15 – Perfil de elevação do ponto inicial. GOOGLE LLC (2022).

Na planilha de cálculo, existe uma aba denominada HIDRÁULICA (Figura 16). Essa aba foi criada para facilitar o cálculo da velocidade média do canal. Nas células em cor branca, devem ser preenchidos os dados de Medidas Horizontais (B1, B2, B3, B4) e Medidas Verticais (Z1, Z2, Z3, Z4). Esses dados foram conseguidos pelo Perfil de elevação (Google Earth), como indicado Figura 16. Nas células em azul, foram calculados os valores do comprimento B e cotangentes Ze e Zd. As cotangentes são usadas para se obter a inclinação das margens do canal. Neste caso, na proporção Z para 1 (Z:1).

Figura 16 – Obtenção de dados de medidas horizontais e verticais.

Mais a baixo na mesma aba, existem 3 blocos de dados (Figura 17). Na Parte 1, foram inseridas as informações de altura H e rugosidade n do canal. A rugosidade adotada foi de 0,035, por se tratar de um canal de superfície natural. Na Parte 2, foram calculados automaticamente, a área A, perímetro P, raio hidráulico RH e velocidade média V. Na Parte 3, ocorreu a conferência do valor da vazão máxima afluente (229,857 m3/s). Essa etapa está atrelada a área e velocidade (Q = A x V), calculados na Parte 2. Entretanto, a variável que foi testada por iterações foi H (Parte 1). O objetivo da conferência foi encontrar o H adequado (H = 1,865 m) para obter o valor mais próximo da vazão máxima de entrada (229,86 m3/s e consequentemente da velocidade média. Assim, a velocidade média foi de 1,179 m/s.

Figura 17 – Obtenção da velocidade média no canal.

As últimas etapas foram a determinação de tempo incremental ∆t e o fator de ponderação X. Ressalva-se que o ∆t foi obtido por meio das condições mostradas na Figura 19. Cada uma das condições, pode ser verificada pelas células em verde. O fator de ponderação adotado foi de X = 0,2 (valor típico aplicado). Lembrando que o valor de X também influencia na determinação do ∆t.

Figura 18 – Conferência das condições do valor de tempo incremental ∆t.

Cálculos das vazões de saída

Os valores dos Coeficientes de cálculos foram conferidos. Pode-se verificar que o somatório C0 + C1 +C2 foi igual 1 (Figura 20).

Figura 19 – Verificação do somatório dos Coeficientes de cálculos.

A seguinte Tabela 2 foi construída para a determinação das vazões de saída. As colunas em branco foram preenchidas, tendo como base os dados de vazão baixados no Hidroweb. As demais colunas em cinza foram detalhadas a seguir.

Tabela 2 – Cálculos das vazões de saída.

As entradas de tempos t1 e t2 foram estipuladas como mostra a Figura 20. Para o Passo de Tempo 1, temos que t1=0 e t2=2. Para o Passo de Tempo 2, temos que t1=2 e t2=4. Assim sucessivamente, os outros passos tempos t1 e t2 foram preenchidos na Tabela 2. Sempre no próximo passo, o tempo atual em 1 será igual ao tempo anterior em 2.

Figura 20 – Determinação dos tempos t1 e t2 nos passos de tempos.

A mesma lógica de preenchimento dos dados de vazão de I1 e I2 foi seguida, como mostra a Figura 21. Em cada próximo passo de tempo, a vazão atual em 1 toma o valor da vazão anterior em 2.  

Figura 21 – Determinação das vazões de entrada nos passos de tempos.

Pela tabela de cálculos, a forma de preenchimento dos dados de t2 e I2 ocorreram como mostra a Figura 22. Destaca-se que no passo de tempo 12, o tempo t2 foi 24 (para a sequência do valor do incremento de tempo mais 2) e, em I2, foi repetido o mesmo valor da penúltima vazão (Passo de tempo 11).

Figura 22 – Modo de determinação dos tempos t2 e vazões de entradas I2.

Por fim, as vazões de saída Q2 e Q1 foram determinadas, semelhantemente, ao preenchimento dos dados de t2 e I2. Porém, Q1 toma Q2, como mostra a  Figura 23. Primeiro, os dados de Q2 foram calculados de acordo com a Equação 7. O valor inicial adotado de Q1 foi igual ao I1 (no passo de tempo 1). Os demais valores foram igualados as vazões de Q2, nos passos anteriores.

Figura 23 – Determinação das vazões de saída.

Hidrograma do Método de Muskingum

O Hidrograma gerado pelo Método de Muskingum pode ser observado na Figura 24. Nota-se pelo hidrograma de saída que houve a translação da onda e a atenuação da vazão, em decorrência das variáiveis K e X, respectivamente. Isso significa dizer que a onda sofreu deslocamento em função do tempo e a vazão foi amortecida.

Figura 24 – Hidrograma das vazões de entrada e de saída pelo Método de Muskingum.

O Método de Muskingum de propagação de ondas de cheias é amplamente aplicado nos principais softwares de simualação para hidrologia. Por isso, o domínio deste método, assim como de outros, possibilita a adequada execução de trabalhos técnicos nas áreas de hidrologia, hidráulica e drenagem.

O presente site disponibiliza também diversos artigos sobre métodos de determinação de vazão, precipitação, detenção de cheias e modelagem, respectivamente a seguir:

  1. Determinação de vazão de projeto – Método Racional Modificado
  2. Distribuição temporal da chuva – Método de Huff
  3. Detenção de cheias – Piscinões
  4. Simulação – Hec-HMS

Esses métodos e muito mais podem ser encontrados neste blog.

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