Introdução
O recurso hídrico empregado em atividades produtivas, industriais, agrícolas, domésticas, serviços de saúde e tantos outros usos, deve ser gerenciado sustentavelmente. A quantificação da vazão disponível no corpo hídrico é de essencial importância.
Existem diversos métodos para a determinação de vazão que podem ser medidos, in loco, ou estimados. Porém, dois relevantes fatores devem ser considerados: custos e riscos. Os custos na medição direta da vazão podem ser muito onerosos, dependendo das características do rio e da região em seu entorno. Em alguns casos, a determinação in loco pode acarretar riscos. Por exemplo, em curso d’água de altas velocidade. Isso dificulta a medição por meio de equipamentos ou réguas de medição.
Os métodos para estimar vazão permitem a minimização de custos e riscos, em estudos e projetos hidráulicos e hidrológicos. Vários métodos para estimar vazões foram apresentados no blog Sobre às Águas, como: Método Racional, Método Racional Modificado, I PA WU, Kokei Uehara, Método de Gumbel, Regionalização de Vazão e Curva de Permanência.
Mais uma possibilidade de estimativa de vazão foi detalhada no presente artigo, pelo método de curva-chave (Figura 1). Esse método possibilita relacionar o nível d’água (ou a cota do rio), com a vazão correspondente. Segundo Porto et al (2001), são realizadas medições de vazão em diversos níveis d’água, para a obtenção dos pares de cota-descarga. A partir da interpolação dos pares que se constrói a curva-chave. Além disso, pode ser realizada a extrapolação para outras cotas e estimar as vazões de pontos não medidos.

No Brasil, a aplicação prática desse método pode ser observad em estudos hidrológicos. Missiaggia et al (2018) aplicaram o método para a extrapolação da curva-chave em uma microbacia, de área de 3,53 km², no município de Caxias do Sul – RS. Tamwing et al (2022) elaboraram uma curva-chave para cinco pontos ao longo do rio Acre, localizadas em Rio Branco – AM, a fim de subsidiar a tomada de decisões no planejamento de ações concernentes à segurança hídrica. Esses estudos são ao encontro da Lei Federal Nº 9.433 de 1997 que estabelece a outorga dos usos da água (BRASIL, 1997).
Desse modo, o presente artigo se propõe a apresentar o método de curva-chave para a determinação da vazão por meio do nível d’água que foram medidas in loco, em um curso hídrico.
Condições Necessárias
As condições necessárias para a escolha dos pontos de medição são, de acordo com Porto et al (2001):
- Facilidade de acesso;
- Trechos retilíneos;
- Declividade constante;
- Margens não erodíveis;
- Velocidade baixas;
O acesso aos pontos de medição deve ser fácil, pois manutenções e trocas de réguas ou de medidores são necessárias ao longo do tempo, devido ao desgaste natural dos equipamentos.
Os trechos retilíneos devem ser escolhidos e evitados os trechos curvilíneos. A velocidade aumenta em curvas de raio fechado, consequentemente, acarreta na elevação da cota d’água, interferindo na estimativa das vazões.
Outro fator de interferência é a declividade no local. A declividade deve ser constante para garantir um comportamento relativamente uniforme, em suas imediações, evitando perturbações no escoamento.
As margens sem erosão possibilitam a integridade da geometria levantada, para a seção por longo tempo. Quando a margem sofre erosão há mudança na área hidráulica o que altera o perímetro e o raio hidráulico, afetando consequentemente no nível d’água.
A velocidade deve ser entre 0,2 a 2 m/s (segundo PORTO; FILHO; SILVA, 2001), pois essa faixa minimiza erros de medições.
Outro fator importante a ser levado em consideração é a coerência com a equação de Manning. Os perfis de água, solo e energia devem ser similares dentre os pontos de medição de vazão.
Gráfico da curva-chave
No gráfico da curva-chave, existe a relação da cota (m) e da vazão (m3/s). Para cada nível d’água medido, um valor de vazão está relacionado a esse nível aferido. Observa-se que na cota 3,0 m, a vazão foi aproximadamente 120,0 m3/s (Figura 2). Na cota 3,5 m, a vazão foi cerca de 160,0 m3/s (Figura 3). Na cota de 4,0 m, a vazão foi por volta de 225 m3/s (Figura 4).



Na seção do rio, podem ser medidas as velocidades no sentido vertical e ser traçado um perfil de velocidade naquela área de influência, como mostra Figura 5. Cada área de influência possui um perfil de velocidade.

O método da curva-chave pode ser observado pelas animações, no vídeo “O que é uma curva-chave?” do canal TV CPRM (click aqui para assistir),como mostra a Figura 6.

Aquisição de dados
Os dados para a construção da curva-chave foram adquiridos pelo Hidroweb do site da ANA (https://www.snirh.gov.br/hidroweb/apresentacao). Existem duas formas mais usuais dos dados serem baixados, pelo site da ANA: Séries Históricas e Mapa.
Pela Série Histórica os dados de vazão são baixados da seguinte maneira (Figura 7):
- Tipo de Estação: Fluviométrica;
- Nome da Estação: Porto Carriel;
- Estações Convencionais: Selecionado Porto Carriel;
- Tipo de Arquivo: .TXT.

Outro modo pode ser pela opção de Mapa (Figura 8). A opção de Consulta (ícone azul de lupa) pode feita por: Consulta por Nome da Estação; Consulta por UF; Consulta por Bacia e; Consulta por Nome do Município. A primeira possibilidade foi escolhida (nome da estação Porto Carriel) e uma janela foi aberta, com as informações sobre a estação.

O Hidroweb mostra para o usuário a localização da estação, em um mapa online. Se a busca for por estação pluviométrica, deve-se buscar por um ícone com desenho de nuvem. Se a busca for por estação fluviométrica, deve-se selecionar um ícone com o símbolo de ondas. Uma caixa é aberta e os dados ficam disponíveis para serem baixados (como mostra a Figura 9).

Formatação dos dados
Os dados baixados em .TXT estavam desorganizados, então foi utilizado o programa Super Manejo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS para a formatação dos dados (Figura 10).

A maneira de usar o programa ocorre pelos seguintes passos: A opção de Vazão foi selecionada (1) > Carregar Dados (2) > .TXT desconfigurado foi baixado (3) > O arquivo foi convertido e escolhido o diretório para ser armazenado (4 e 5) > .TXT configurado foi salvo – Ok (6) (Figura 11).

Construção da curva-chave
Os dados de vazão e de cota foram organizados na planilha de cálculo, como mostra a Figura 12. O tempo amostral foi de 1990 a 2019.

A curva-chave foi construída por uma equação potencial, na qual é dada pela Equação 1:

A primeira variável a ser estimada é a cota de ajuste h0, na qual tem a função de acertar a curva-chave. Na prática, os valores da coluna E COTA (nível d’água) foram subtraídos pelo valor de h0(J1), obtendo-se os valores da coluna F COTA AUX. (Figura 13).

Um gráfico foi plotado, relacionando Vazão e Cota. A partir dos dados plotados, foi construída a curva-chave pela opção no Excel de “Adicionar Linha de Tendência”. A linha de tendência foi “Potencial” e também foram selecionadas as opções de “Exibir a Equação no gráfico” e “Exibir valor de R-quadrado no gráfico”, como mostra a Figura 14.

A equação da vazão obtida foi dada pela Equação 2:

A coluna L COTA foi incluída e, em seguida, a coluna M foi inserida (para o cálculo da vazão Q ), por meio da Equação 2. Várias iterações numéricas foram testadas até que a curva-chave apresentasse um valor de R2 mais próximo possível do valor 1,0. Observou-se que o valor mais próximo de 1,0 foi R2 igual a 0,9759 (Figura 15).

O gráfico da curva-chave construído pelos dados de COTA e Q pode ser observado na Figura 16.

Portanto, vale salientar que o método da curva-chave possibilitou a determinação das vazões pelas cotas d’águas, na seção do curso hídrico. Os dados baixados, do banco do Hidroweb, apresentaram valores de cota de 0,87 a 3,62 m e de vazão de 75 a 416 m3/s. A curva obtida permitiu a extrapolação de cotas de 1,0 a 5,0 m e vazão de cerca de 90 a 760 m3/s (Figura 16). A campo, a determinação dos valores estimados seria muito custosa.
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REFERÊNCIAS
AGÊNCIA NACIONA DE ÀGUAS. Hidroweb v3.2.7. Brasília, 2022. Disponível em: https://www.snirh.gov.br/hidroweb/mapa. Acesso em: 2 jan. 2023.
BRASIL. Lei N. 9.433 de 8 de Janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1. da Lei n. 8.001, de 13 de março de 1990, que modificou a Lei n. 7.990, de 28 de dezembro de 1989. Brasília: Diário Oficial da União, 1997.
MISSIAGGIA, Fernando Bonotto; et al. Extrapolação superior da curva-chave para uma microbacia hidrográfica localizada no município de Caxias do Sul-RS. In: , 2018, Bento Gonçalves. VI Congresso Internacional de Tecnologias para o Meio Ambiente. Bento Gonçalves: Instituto de Saneamento Ambiental da Universidade Caxias do Sul, 2018. p. 6–13. Disponível em: https://samaecaxias.com.br/Upload/Paginas/Pagina/dfaf77f6-ee8e-4f6f-8b38-7c96765ce324.pdf. Acesso em: 25 jan. 2023.
O QUE É UMA CURVA-CHAVE? Direção: TV CPRM. Brasil: Serviço de Geologia do Brasil, 2019. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Z72tADxD-c0&t=188s&ab_channel=TVCPRM.
PORTO, Rubem La Laina; FILHO, Kamel Zahed; SILVA, Ricardo Martins da. Medição de vazão e chuva. São Carlos: Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Departamento de Engenharia Hidráulica e Sanitária, 2001.
TAMWING, Daniela Silva et al. Relação cota-vazão e ajuste da curva-chave: estudo de caso na bacia hidrográfica do Rio Acre, Brasil. Revista Ibero-Americana de Ciências Ambientais, Aracaju, v. 13, n. 1, p. 129–140, 2022. Disponível em: https://sustenere.co/index.php/rica/article/view/6947. Acesso em: 25 jan. 2023.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – UFRGS. Super Manejo de Dados 2.1 (Out/2018). Porto Alegre, 2018. Disponível em: https://www.ufrgs.br/hge/modelos-e-outros-produtos/softwares-de-manejo-e-visualizacao-de-dados-hidrologicos/super-manejo-de-dados-2-0-2018/. Acesso em: 11 jan. 2023.