Como determinar a vazão de referência Q 7,10?

Contextualização

A Política Nacional de Recursos Hídricos, Lei nº 9.433 de 1997, estabelece cinco instrumentos de gestão, sendo a Outorga de direito de uso da água um dos instrumentos (BRASIL, 1997). Neste instrumento, a Administração Pública autoriza uma pessoa física ou jurídica, pública ou privada a usar a água de um manancial para determinada finalidade, como abastecimento humano ou animal ou para alguma atividade econômica (ANA, 2019).

Análises técnicas são realizadas para avaliar as solicitações de Outorgas de usos da água, como (ANA, 2019):

  • Análise técnica de uso racional ou análise de empreendimento; e
  • Análise de disponibilidade hídrica.

Na primeira, verifica-se se existe compatibilidade entre a vazão que está sendo pleiteada com o tipo de empreendimento. Na segunda, analisa-se se o manancial tem capacidade hídrica para atender à nova demanda (ANA, 2019).

As literaturas brasileiras na área de hidrologia, drenagem e hidráulica amplamente utilizam vazões de referências em estudos para a determinação de vazões mínimas (Q90, Q95 e Q7,10) que servem de subsídio nas análises técnicas (DURANT et al., 2017; RIBEIRO et al., 2017; ULIANA et al., 2017).

Cada Estado e comitês estabelecem a vazão de referência para a concessão de outorga. A partir de 2018, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Alto Paranapanema (CBH-ALPA), do estado de São Paulo, passou a utilizar a Q90 (SÃO PAULO; CBH-ALPA, 2018). O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) utiliza a vazão de referência Q7,10 em base anual, para a concessão de outorga em Minas Gerais. Porém, somente para a Bacia do rio Doce, a partir de setembro de 2022, foi instituída a Q7,10 mensal como base de disponibilidade hídrica oficial do Igam (GOMES, 2022).

A determinação das vazões Q90 e Q95 foram alvo de abordagem no artigo “Como determinar vazões mínimas com curva de permanência?”. Desse modo, o método de determinação da vazão de referência Q7,10 será detalhadamente descrito, devido a sua relevância.

O que é a vazão Q7,10?

A vazão de referência Q7,10 é vazão mínima referente a setes dias, de duração com tempo de retorno (TR) igual a 10 anos. Essa vazão de referência estipula a vazão que ocorre a maior parte do tempo, em um curso d’água, independente se for períodos de seca ou de chuva. A vazão Q7,10 é considerada mais criteriosa em relação ao quesito segurança, se comparada a Q90. Apesar disso, as formas de determinação das ambas são semelhantes.

Etapas para a determinação da Q7,10

De modo prático, o método de determinação da vazão Q7,10 segue as seguintes etapas apresentadas na Figura 1.

Figura 1 – Etapas para a determinação da Q7,10.

Na etapa 1, os dados da série histórica são buscados e baixados em alguma base de dados de referência. A principal base de dados pluviométricos e fluviométricos no Brasil é da Agência Nacional de Águas (ANA), pelo site do Hidroweb (ANA, 2019).

Na etapa 2, os dados são tratados conforme a necessidade do método a ser empregado. Podem ser realizadas conversões de unidades, seleção de dados consistidos, formatação do banco de dados e/ou outros ajustes.

Na etapa 3, inicia-se a elaboração dos cálculos deste método de determinação da vazão mínima Q7,10. As médias móveis de 7 dias são calculadas pelas vazões diárias obtidas no site da ANA. Essas médias móveis variam ao longo de intervalos de tempo, como mostra a Figura 2. A média móvel (7 dias) do dia 1 é a média das vazões do dia 1 até o dia 7. A média móvel do dia 5 é a média das vazões do dia 5 ao dia 11 e assim sucessivamente. A média móvel do dia 7 é a média das vazões do dia 7 ao dia 13 e assim sucessivamente.

Figura 2 – Médias móveis de 7 dias.

Na etapa 4, identifica-se a menor vazão média de cada ano, sendo referente as médias móveis de 7 dias. Na etapa 5, calcula-se a vazão média da matriz de dados, ao longo dos anos.  

Na etapa 6, calcula-se o desvio padrão das vazões médias, ao longo dos anos. Na etapa 7, aplica-se o método de Gumbel para valores mínimos. Esse método já foi apresentado para a determinação de valores máximos, no artigo Como usar o Método de Gumbel para determinar Vazões extremas?”. Por fim, determina-se a vazão Q7,10.

Download de dados

Os dados da ANA podem ser baixados pelo Hidroweb, como mostra a Figura 3. A busca pela estação fluviométrica ocorreu na busca por “Consulta” (1), pelo nome da estação. A estação Porto Carriel do tipo fluviométrica foi selecionada pelo seu ícone (2). Uma nova janela (3) foi aberta com algumas informações a respeito da estação.

Figura 3 – Download de dados no Hidroweb. Fonte: (ANA, 2019).

Pela Série Histórica, os dados da estação Porto Carriel foram obtidos, como mostra a Figura 4.

A busca pode ocorrer com o uso de algumas informações (1) a respeito da estação, como:

  • Tipo de estação (Fluviométrica);
  • Código da estação (64767000); 
  • Nome da estação (Porto Carriel);  
  • Ou outras opções.

Após a pesquisa pela estação, uma opção ou mais de estações podem ser apresentadas. Neste caso, foi remetida apenas uma estação (2). Em seguida, os dados foram baixados (3), em uma das três possibilidades de formato de arquivo (em arquivo de texto).

Figura 4 – Séria Histórica do Hidroweb. Fonte: (ANA, 2019).

 O arquivo texto baixado precisa passar por uma etapa de formatação (Figura 5), para poder ser utilizado em uma planilha eletrônica. Por isso, um software de uso livre chamado Super Manejo, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, foi utilizado para a organização dos dados.

Figura 5 – Arquivo no formato de texto (.txt) do Hidroweb.

O modo de utilização do software Super Manejo (Figura 6) é bastante simples. Pode ocorrer por meio da seguinte sequência:

  1. A opção de “Vazão” é selecionada;
  2. Os dados são carregados em “Carregar Dados”;
  3. O Arquivo texto (em .txt) desconfigurado é baixado;
  4. O arquivo é convertido para o novo formato;
  5. A pasta para salvar o novo arquivo é selecionada;
  6. O novo arquivo é salvo.
Figura 6 – Software Super Manejo para a configuração do arquivo.

O arquivo salvo foi copiado e inserido na matriz de dados da planilha de cálculos, no Excel (Figura 7). Porém, antes de ser utilizado, foram necessários ajustes e correções com relação a unidade das vazões.

Figura 7 – Matriz de dados ajustados e corrigidos.

Cálculo das médias móveis de 7 dias

As médias móveis podem ser calculadas em sentido ascendente (de baixo para cima) ou descendente (de cima para baixo). As médias móveis de 7 dias foram calculadas, no sentido ascendente, como mostra o esquema na Figura 8. A média móvel do dia 06/07/1981 foi obtida pela média das vazões do dia 06/07/1981 ao 30/06/1981. A média móvel do dia 07/07/1981 foi obtida pela média das vazões do dia 07/07/1981 ao 01/07/1981. O mesmo raciocínio para as demais médias móveis de 7 dias foi repetido.

Figura 8 – Médias móveis de vazão.

Determinação das menores vazões médias anuais

Pelas médias móveis de vazões de 7 dias, foram buscadas as menores vazões de cada ano (Figura 9).  Porém, essa etapa não ocorreu manualmente.

Figura 9 – Busca das menores vazões anuais.

O processo de identificação, das vazões mínimas de cada ano, ocorreu por meio da planilha de cálculo. Colunas com a função =SE foram criadas para copiar as vazões de cada ano separadamente (Figura 10), auxiliando na identificação dos valores mínimos anuais. Na coluna 1981, foram copiadas somente as vazões do ano 1981. O mesmo procedimento foi executado para os demais anos, até o último ano (2018).

Figura 10 – Identificação das vazões mínimas anuais pela planilha de cálculo.

Na Tabela 1, foi identificada a vazão mínima anual por meio da função =MÍNIMO do Excel. No ano de 1981, a vazão mínima foi de 12,1419 m3/s. No ano de 1982, a menor vazão anual foi de 12,5909 m3/s. As vazões mínimas foram identificadas até o último ano, em 2018.

Tabela 1 – Vazões mínimas anuais.

Determinação da vazão média anual

A vazão média anual foi determinada pela soma de todas as vazões mínimas (identificas na etapa anterior) pelo número total de anos, conforme a Equação 1. O cálculo da vazão média foi igual a 11,3328 m3/s.

Cálculo do desvio padrão

O desvio padrão foi calculado conforme a Equação 2, sendo igual a 3,67346 m3/s.

Aplicação de Gumbel para valores mínimos

O método de Gumbel foi aplicado, porém para a determinação dos valores mínimos, ou seja, para a obtenção da vazão Q7,10. O cálculo dessa vazão ocorreu conforme a Equação 3.

Na planilha de cálculo (Figura 11), os dados de média e desvio padrão foram obtidos pelas funções do Excel (respectivamente, =MÉDIA e =DESVPAD.A). A vazão Q7,10 foi determinada de acordo com a fórmula da Equação 3.

Figura 11 – Planilha de cálculos.

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REFERÊNCIAS

AGÊNCIA NACIONA DE ÀGUAS. Hidroweb v3.2.7. Brasília, 2019. Disponível em: https://www.snirh.gov.br/hidroweb/mapa. Acesso em: 2 jan. 2023.

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS – ANA. Outorga dos direitos de uso de recursos hídricos. Brasília: ANA, 2019.

BRASIL. Lei N. 9.433 de 8 de Janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal, e altera o art. 1. da Lei n. 8.001, de 13 . Brasília: Diário Oficial da União, 1997.

DURANT, Pedro Corsino et al. AVALIAÇÃO DE METODOLOGIAS DE ESTIMATIVA DA Q7,10 NO RIO TIJUCO, EM MINAS GERAIS. In: , 2017, Campo Grande. Congresso Brasileiro de Gestão Ambiental, VIII. Campo Grande: IBEAS – Instituto Brasileiro de Estudos Ambientais, 2017. Disponível em: https://www.ibeas.org.br/congresso/Trabalhos2017/VIII-047.pdf. Acesso em: 6 mar. 2023.

GOMES, Emerson. Nova vazão de referência é adotada na bacia do Rio Doce. Belo Horizonte, 2022. Disponível em: http://igam.mg.gov.br/banco-de-noticias/2787–nova-vazao-de-referencia-e-adotada-na-bacia-do-rio-doce#:~:text=Vazão de referência no Rio Doce&text=“A Portaria Igam no 32,do Rio Doce”%2C explica. Acesso em: 6 mar. 2023.

RIBEIRO, Thiago Barboza et al. ESTIMATIVA DAS VAZÕES MÍNIMAS DE REFERÊNCIA (Q7,10, Q95 e Q90) ANUAIS E SEMESTRAIS PARA A BACIA DO RIO BRANCO. In: , 2017, Florianópolis. XXII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos. Florianópolis: ABRH, 2017. p. 1–8. Disponível em: https://anais.abrhidro.org.br/works/2508. Acesso em: 6 mar. 2023.

RIGHETTO, ANTONIO MAROZZI. Hidrologia e Recursos Hídricos. 1. ed. São Carlos: USP, 1998.

SÃO PAULO; COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO ALTO PARANAPANEMA. Deliberação CBH-ALPA nº 166 de 27 de novembro de 2018 Aprova a adoção da Q95% como vazão de referência para a emissão de outorgas de uso de recursos hídricos na UGRHI-14 Alto Paranapanema. São Paulo: 2018. Disponível em: https://sigrh.sp.gov.br/public/uploads/deliberation//CBH-ALPA/13950/deliberacao_cbhalpa-166-2018-vazao-de-referencia-q95_ugrhi14.pdf.

ULIANA, Eduardo Morgan et al. Análise Estatística Para Determinação Da Q 7,10 na Bacia Do Rio. In: , 2017, São Paulo. XXI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XVII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação, XI INIC Jr da UNIVAP, VII INID. São Paulo: Univap, 2017. p. 1–5. Disponível em: https://www.inicepg.univap.br/cd/INIC_2011/anais/arquivos/0566_0540_01.pdf. Acesso em: 6 mar. 2023.


      
  
  
    
    
  

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