Introdução
A sequência das etapas de cálculos é fundamental para alcançar um projeto devidamente dimensionado. Outro quesito imprescindível que deve ser destacado é a seleção dos materiais adequados conforme as particularidades do local. Esses fatores devem ser considerados para garantir a eficiência quanto a detenção hídrica e também na questão de segurança, evitando o galgamento da estrutura e estabilidade do maciço.
Neste artigo, foram apresentados os cálculos executados para o projeto de barragem de detenção e as considerações a respeito dessas estruturas na fase de projeto. As etapas de cálculos apresentadas já foram tema de outros artigos contidos no site Sobre as Águas, como: distribuição de Huff, hidrograma de projeto – SCS e amortecimento de ondas de cheias. Por isso, foram brevemente apresentadas.
Projeto de barragem
A área de estudo (Figura 1) foi proveniente de um projeto real de barragem de detenção, na cidade de São Lourenço – MG. O barramento teve as estruturas hidráulicas projetadas para amortecer a vazão do curso d’água a montante. Além disso, foram dimensionadas as estruturas e selecionados os materiais, para suportar o barramento, de acordo com as características do solo.
O projeto estabeleceu o uso de um vertedor de crista e um descarregador de fundo, como mostra Figura 2.
As medidos dessas estruturas e materiais podem ser verificados na Figura 3. A altura do vertedor foi de 0,5 m e cota de 879,10 m. A borda livre de 0,5 m e cota de 879,60 m. Dentre os materiais, foram selecionados inicialmente gabião de caixa e colchão reno.
Figura 3 – Dimensões e materiais projetados para a barragem.
A área de projeto era formada por um solo de brejo, ou seja, um solo tipicamente saturado e de lenta infiltração hídrica. Essas características devem ser cuidadosamente levadas em consideração na etapa de escolha dos materiais.
Etapas de cálculos
As etapas de cálculos seguiram a ordem apresentada na Figura 4. Na primeira etapa, foram realizados os cálculos para elaboração da distribuição temporal da chuva por meio da distribuição de Huff. Essa é uma das distribuições mais próximas das chuvas reais. Na etapa 2, foi construído o hidrograma unitário triangular. Na etapa 3, foi elaborado o hietograma excedente. Essa representação gráfica apresenta os valores de precipitação que escoaram pela superfície (laranja). Na etapa 4, foi feito o hidrograma de projeto, por meio de superposições de blocos de hidrogramas. Por meio desse método é obtida a vazão de projeto. Por fim na etapa 5, foi construído o hidrograma de amortecimento da vazão efluente, com intuído de conter ondas de cheias.
Exemplo prático
Os dados de entrada do projeto (utilizado como exemplo prático) podem ser observados no Quadro 1.
Quadro 1 – Dados de entrada.
Pela utilização de planilhas cálculos, foram realizadas as etapas descritas anteriormente. Na primeira planilha, foram feitas a distribuição de Huff, hidrograma unitário triangular, superposição e hidrograma de projeto. Na segunda planilha, foram realizados os cálculos pelo método de PULS de amortecimento de onda de cheias.
Distribuição de Huff
O tempo de concentração (tc) foi calculado, conforme a Equação 1.
Se o tempo de concentração for inferior a 10 min, então é adotado tc = 10 min.
Em seguida, foi obtida a intensidade da chuva (i) por meio da Equação IDF da cidade de São Lourenço – MG (Equação 2).
Neste caso, o tempo de duração da chuva foi igualado do tempo de concentração.
A precipitação total (P) foi dada pela Equação 3 a seguir.
A distribuição de Huff pode ser representada em formato de tabela de dados ou por gráficos (Figura 5). Os Quartis que poderiam ser adotados era o primeiro ou o segundo, pois os quartis 3 e 4 são para chuvas com duração entre 12 a 24 horas.
O quartil adotado foi o primeiro, sendo aplicado nos cálculos de P da Tabela 1. Esses dados obtidos foram utilizados para a construção do hietograma de Huff (Figura 6).
Tabela 1 – Tabela de cálculo do Hietograma de Huff.
Hidrograma Unitário Triangular
O método chuva-vazão converte a entrada de água de chuva em vazão na bacia hidrográfica. Dessa forma, os dados de entrada é a precipitação na bacia. Inicialmente, foram determinados os tempos de resposta, tempo de pico e tempo de base. Esses foram obtidos a partir do tempo de duração da chuva (td = 0,25 horas ou 15 min), como mencionado anteriormente no Quadro 1. O tempo de discretização da chuva (tr) deve ser tr’ ≤ 0,17≤ tc e, neste exemplo, foi igual a 0,0125 horas. Esse tempo foi determinado conforme o livro de Canholi (2014), “Drenagem Urbana e Controle de Enchentes”.
O cálculo do tempo de resposta (tL) foi dado pela Equação 4.
O cálculo do tempo de pico (tp) foi dado pela Equação 5.
O cálculo do tempo de base (tb) foi dado pela Equação 6.
A vazão de pico (Qu,p) foi calculada, dada pela Equação 7.
Por fim, o hidrograma unitário triangular foi construído, como mostra Figura 7.
Hietograma de Projeto
O hietograma de projeto SCS foi obtido para obter a parcela de chuva que não infiltra na bacia. O CN (Curve Number) empregado foi CN = 63. A chuva potencial máxima (S) foi dada pela Equação 8.
A infiltração inicial (Ia) foi dada pela Equação 9.
Na última etapa deste método, foi construída a Tabela 2. As duas primeiras colunas foram obtidas da Tabela 1. Foram calculas na tabela abaixo as parcelas de precipitação acumulada e o hietograma excedente, para a obtenção dos valores de chuva que escoam superficialmente. O hietograma de projeto da Figura 8 representa essas parcelas.
Tabela 2 – Cálculos de precipitações.
Hidrograma de Projeto
O método de elaboração do hidrograma de projeto passa pela superposição de diversos blocos de hidrogramas de unitários, como mostra a Figura 9. A soma de todos os hidrogramas unitários gera o hidrograma de projeto (Figura 10).
Hidrograma de Amortecimento
O hidrograma de amortecimento da vazão foi elaborado para servir de auxílio no projeto de barragem de detenção. O cenário mais adequado de amortecimento de vazão, em relação à redução de vazão e segurança da estrutura da barragem, obteve as seguintes dimensões de vertedor de crista e descarregador de fundo (Tabela 3). O valor do coeficiente C foi adotado de acordo com o livro “Projeto de usinas hidrelétricas passo a passo” (PEREIRA, 2015).
Tabela 3 – Dados do vertedor de crista.
A vazão que sai do vertedouro é dada pela Equação 10. Quanto menor a altura do vertedor de fundo, maior a redução da vazão efluente. Porém, se muito reduzida pode gerar um gráfico com erro (inadequado).
Os dados do descarregador de fundo podem ser observados na Tabela 4. O coeficiente de descarga adotado foi baseado no livro “Drenagem urbana e controle de enchentes” (CANHOLI, 2014).
Tabela 4 – Dados do descarregador de fundo.
A vazão de saída do vertedouro é dada pela Equação 11. Assim como a altura do vertedor, o diâmetro do descarregador também influência na vazão efluente final para maior ou menor.
Os dados do hidrograma afluente foram obtidos a partir do hidrograma de projeto, como mostra a Tabela 5. A vazão de pico foi igual a 14,55 m3/s (no tempo 0,275 h).
Tabela 5 – Dados do hidrograma afluente.
O intervalo de tempo (∆t) para amortecimento foi definido de acordo com a condição de ∆t ≤ tp/5. Assim, o intervalo de tempo obtido foi ∆t = 0,0166 horas ou aproximadamente 60 segundos (Tabela 6).
Tabela 6 – Intervalo de tempo ∆t.
Foram compilados os dados cota x volume do reservatório, como mostra a Tabela 7. Os dados de entrada de cota foram buscados no mapa de relevo da área do reservatório (Figura 1) e feita a relação com o volume de água. As vazões que saem do vertedor, descarregador e Q total foram calculadas. Vale observar que somente a acima da cota superior do vertedor de crista passa a ter vazão, quando o nível d’água do reservatório supera a cota de 878,60 m.
Tabela 7 – Dados de cota-vazão da barragem.
Nesta etapa final de cálculos, foram executadas as fórmulas para a obtenção da tabela do hidrograma efluente amortecido (Figura 11). Dessa forma, foi gerado o gráfico do hidrograma da Figura 12, em que a vazão de pico foi amortecida de 14,55 m3/s para 4,87 m3/s.
Vale ressaltar que resultados muito próximos do hidrograma amortecido, obtidos pela planilha Excel, também podem ser fornecidos por simulação no Hec-HMS (Figura 13). Esse método de simulação foi descrito detalhadamente no site Sobre as Águas, no artigo “Amortecimento de ondas de cheias no Hec-HMS”.
Considerações
Algumas considerações foram realizadas a respeito dos materiais que podem ser empregados na barragem de detenção. Essas observações têm a finalidade de garantir maior eficiência e segurança no sistema.
A primeira consideração é sobre a proteção do descarregador de fundo, com o uso do colchão reno. Uma parte dessa estrutura foi protegida com o colchão reno, porém é muito importante que seja travada. Esse travamento pode ser feito por um caixa, na entrada do colchão na parte inferior, como mostra Figura 14, para evitar que seja levantado pela força da água.
Outro ponto a ser verificado é a região de saída do vertedor de crista. Para haver a redução da força da água que passa pelo vertedor, é importante inserir uma estrutura que dissipe essa energia, como a escada de dissipação (Figura 15). Existem planilhas eletrônicas que são fornecidas no treinamento da Plataforma Sobre as Águas, com os cálculos desse tipo de escada. No software gratuito SisCCoH, também realiza esses dimensionamentos.
Outra consideração foi sobre a bacia de dissipação embaixo do enrocamento de colchão reno. Essa combinação não é muito indicada, pois a descarga da água pode gerar um desgaste na tampa do colchão reno (Figura 16).
Uma das indicações seria empregar uma base com geotêxtil espesso de 600 g/m2, para forrar toda a base de fundo do encoramento. Se o encoramento estiver no mesmo nível do terreno, é fundamente acrescentar uma caixa de travamento para evitar o desprendimento do geotêxtil, como mostra a Figura 17. Uma segunda opção seria escavar a região e fazer uma bacia de dissipação enterrada.
É recomendável que no vertedor de crista, a largura mínima do gabião de caixa seja de 1,0 m (dimensões de 1,0 m x 1,0 m) e com base em colchão reno ( como mostra a Figura 18).
O último ponto a ser considerado é sobre a verificação de piping (Figura 19). Existe a possibilidade de a água passar em baixo da base do barramento, causando erosão na saída do barramento de detenção. Então, deve-se avaliar os dados sobre o desnível máximo da água no reservatório (cota máxima de montante), coeficiente do solo base e o comprimento percorrido pela água até a jusante do barramento. Pelo software Hec-HMS e o uso dos dados citados, pode-se obter uma resposta se vai haver ou não um problema na fundação da barragem. Cenários podem ser gerados com dados de sondagem, como o reservatório cheio a montante ou sem nível d’água e solo saturado, para a constatação do piping.
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REFERÊNCIAS
CANHOLI, Aluísio Pardal. Drenagem Urbana e Controle de Enchentes passo a passo. 2. ed. São Paulo: Oficina de Textos, 2014.
PEREIRA, Geraldo Magela. Projeto de usinas hidrelétricas passo a passo. São Paulo: Oficina de Textos, 2015.